Inspirada por iniciativas regionais em São Paulo e no Nordeste, a Olimpíada Brasileira de Química (OBQ) consolidou-se como uma das principais competições científicas do país, revelando talentos e aproximando estudantes da pesquisa e da indústria química. Em entrevista exclusiva à Comunidade Científica Jr., os professores Sérgio Melo, idealizador do programa nacional, e Paulo Chagas, coordenador no estado do Rio de Janeiro, relembram os primeiros passos da olimpíada, os desafios superados e o impacto duradouro da iniciativa na educação científica brasileira.
A primeira Olimpíada de Química foi realizada em São Paulo, em 1986, realizada pelo Instituto de Química da USP, estimulada pelo Prof. Shigueo Watanabe, da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. Uma segunda edição foi feita no ano seguinte e, por dificuldades operacionais, foi suspensa a partir de 1988.
Pioneiros da Olimpíada de Química
Professor Sérgio Melo lembra que, na mesma época, o Núcleo de Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Federal do Ceará – NECIM, com a participação de docentes do Departamento de Química da UFC, realizava ações de apoio a professores de escolas públicas com orientações para a prática docente e uso de materiais de baixo custo para demonstrações em sala de aula. No conjunto dessas ações estava a Olimpíada Cearense de Química, iniciada em 1991.
O sucesso da iniciativa levou à criação da Olimpíada Norte/Nordeste de Química (ONNeQ) e, posteriormente, ao Programa Nacional Olimpíadas de Química (PNOQ), com a OBQ como desafio nacional.

Os professores destacam que a proposta sempre foi inclusiva e estruturada para alcançar estudantes de todas as regiões, especialmente de escolas públicas, ainda que nos primeiros anos a comunicação limitada e a ausência de recursos tenham exigido esforço e comprometimento extraordinários da equipe.

Paulo Chagas, responsável pela criação da Olimpíada de Química do Estado do Rio de Janeiro (OQRJ), relembra que, no início, a desconfiança era comum. Muitos professores temiam que seus alunos fossem mal avaliados, o que poderia ser interpretado como falha pedagógica. Ainda assim, com persistência e apoio pessoal, a iniciativa cresceu. O professor conta que no início não havia sequer 30 participantes no estado, enquanto hoje são milhares de inscritos e dezenas de escolas envolvidas.
Ao longo dos anos, a OBQ passou a ser referência na formação de estudantes apaixonados por ciência, muitos dos quais seguiram carreira na área, tornaram-se professores universitários, pesquisadores ou atuam em grandes indústrias.
Para os idealizadores, o maior legado da OBQ é humano. Ao identificar e estimular jovens talentos, a olimpíada não só transforma trajetórias individuais, mas também contribui para suprir uma antiga carência nacional: a de professores e profissionais qualificados em Química.
Confira a entrevista completa da Comunidade Científica Jr com os professores Paulo Chagas e Sérgio Melo.
CCJr – Como e quando surgiu a ideia de criar a Olimpíada Brasileira de Química? Houve alguma inspiração internacional ou foi uma demanda nacional do meio educacional?
Sérgio Melo –
A primeira Olimpíada de Química foi realizada em São Paulo, em 1986, realizada pelo Instituto de Química da USP, estimulada pelo Prof. Shigueo Watanabe, da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. Uma segunda edição foi feita no ano seguinte e, por dificuldades operacionais, foi suspensa a partir de 1988.
Nesta mesma época, o Núcleo de Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Federal do Ceará – NECIM, com a participação de docentes do Departamento de Química da UFC, realizava ações de apoio a professores de escolas públicas com orientações para a prática docente e uso de materiais de baixo custo para demonstrações em sala de aula. No conjunto dessas ações estava a Olimpíada Cearense de Química, iniciada em 1991.

A OCQ foi fonte inspiradora para um projeto mais abrangente, a Olimpíada Norte/Nordeste de Química – ONNeQ, ideia lançada por ocasião do VI Encontro de Química do Nordeste, em 1995, em Teresina, realizada neste mesmo ano com a participação de 367 estudantes de ensino médio de escolas dessas regiões. O sucesso alcançado pela ONNeQ estimulou a criação de um certame mais abrangente, com dimensão nacional, congregando olimpíadas estaduais, a ONNeQ e a OBQ – Olimpíada Brasileira de Química, sob a denominação de Programa Nacional Olimpíadas de Química – PNOQ, realizado pela ABQ – Associação Brasileira de Química.
CCJr – Quais foram os principais desafios enfrentados nos primeiros anos da OBQ? Como foi conquistar apoio institucional e engajamento das escolas?
Sérgio Melo –
No início, e os sete anos subsequentes, muitas eram as dificuldades com as quais convivíamos no dia a dia, sobretudo com relação aos meios de comunicação que eram limitados, exigiam muito dispêndio, também, não havia suporte financeiro disponibilizado com regularidade. Este veio a ocorrer a partir de 2002, quando o CNPq iniciou lançamentos anuais de editais, atualmente chamadas, para financiamento de olimpíadas do conhecimento. Importante ressaltar o apoio financeiro oriundo do CNPq, vital, porém insuficiente para as projeções anualmente estabelecidas. Recentemente, firmou-se profícua parceria com o CFQ – Conselho Federal de Química, ao patrocinar ações afirmativas e premiações específicas ampliou-se de 35% para 52% a participação feminina no projeto.
As coordenadorias estaduais constituem o alicerce do PNOQ, ambiência na qual todas as ações são iniciadas e propagadas.
Agora, em 2025, chegamos aos trinta anos ininterruptos de atividades com muita capilaridade nos interiores dos estados, consequência de um esforço coletivo representado por mais de uma centena de coordenadores estaduais que outrora empreenderam esforços e os que agora atuam no fortalecimento do projeto. Dentre eles, a Profa. Dra. Nilce Gramosa, operante já na primeira edição das olimpíadas de química, hoje, à frente do PNOQ. Destaque especial, para o Prof. Dr. José Arimatéia Lopes, ex-reitor da UFPI, por sua valiosa contribuição durante três décadas de concomitante dedicação às coordenadorias piauiense e nacional, essenciais para a consolidação do Programa Nacional Olimpíadas de Química.
O engajamento das escolas aconteceu gradativamente na medida em que as coordenadorias estaduais tomavam corpo. No estado do Ceará essa adesão foi mais consistente porque a Olimpíada Cearense de Química já estava consolidada e pujante, por conseguinte, o número de escolas deste estado, participantes no PNOQ, tornou-se expressivo.

Paulo Chagas –
Como todo início, temos desafios. Entre eles, a desconfiança das escolas, dos professores e dos alunos. Como não tínhamos, inicialmente, o apoio financeiro de agências financiadoras e/ou de fomento, nem do MEC, nem do CRQ/CFQ, tínhamos que fazer o convencimento desses grupos por e-mail, pessoalmente ou por ligação telefônica.
No início, havia, em algumas instituições, desconfiança em relação à proposta. Aos poucos, fomos conquistando as escolas, os professores e os alunos. Paralelamente, íamos conseguindo apoio financeiro, pois desenvolvíamos um trabalho sério. No entanto, inicialmente, os coordenadores e professores envolvidos usavam de seus recursos financeiros para erguer esse sonho.
CCJr – Quem foram os nomes mais importantes na fundação da OBQ e como foi essa articulação inicial?
Paulo Chagas –
Sem dúvida, o grande nome da OBQ é o do professor Sérgio Melo, professor da UFC que sonhou e colocou mãos à obra para concretizar esse projeto. Inicialmente, o apoio vinha da UFC e da FUNCAP. O professor José Arimatéia, da UFPI, é outro grande nome que ajudou a concretizar a OBQ.
A OBQ surgiu secundariamente à Olimpíada Cearense de Química e à Olimpíada Norte/Nordeste de Química.

CCJr – Qual era o cenário da educação em Química no Brasil na época da criação da OBQ? A olimpíada surgiu como resposta a uma lacuna no ensino?

Sérgio Melo –
Na época em que as olimpíadas de química foram criadas o cenário não diferia muito do atual. Ao confrontar o desempenho dos estudantes de escolas públicas com aqueles de escolas privadas, constatava-se a existência de um significativo fosso entre os dois grupos.
Pesam nesta inquietante situação a condição socioeconômica dos estudantes, a qualidade das escolas e a carência de professores qualificados. Atualmente, embora sem significativas mudanças, veem-se com mais frequência animadores desempenhos de estudantes de escolas públicas, alguns deles conquistando espaço nas equipes que representam o Brasil em certames internacionais. Isso é muito gratificante.
No PNOQ, os grupos socialmente vulneráveis recebem especial atenção, buscando-se corrigir desigualdades históricas e sociais, ao promover a inclusão e estimular a participação com olimpíadas exclusivas para meninas e para estudantes de escolas públicas. Com respeito ao público feminino, que, tradicionalmente, representava 35% dos inscritos, atualmente elas constituem maioria absoluta.
Paulo Chagas –
De uma maneira geral, o ensino da Química, a nível mundial, sempre apresentou dificuldades inerentes à própria ciência. Embora seja uma ciência central e fundamental, a exigência de abstração e de conhecimentos matemáticos é muito grande.
À época do início da OBQ, havia uma transição no ensino da Química: ela estava deixando de ser uma disciplina que exigia muita memorização de fórmulas e fundamentos para algo mais contextualizado com o dia a dia dos alunos.
A proposta das olimpíadas de Química era descobrir novos talentos para a academia, para a pesquisa e para a indústria, e ajudar a desenvolver a Química como um todo. Muitos talentos foram descobertos e um número grande de “olímpicos” se dedicaram à Química.
CCJr – O senhor participou também da formação de alguma olimpíada regional? A OQRJ foi criada como um desdobramento da OBQ ou tem uma proposta complementar?
Sérgio Melo –
A Olimpíada Cearense de Ciências e a Olimpíada Norte/Nordeste de Química – ONNeQ são dois certames regionais de nossa iniciativa. O pronto sucesso da ONNeQ deu sequência à criação do Programa Nacional Olimpíadas de Química, que também se expandiu de forma muito rápida em todas as regiões do Brasil, provocando a criação de dezenas de olimpíadas estaduais.

As olimpíadas estaduais são importantíssimas na estrutura do PNOQ, pois estabelecem vínculos com professores e coordenadores das escolas na região, e estes, por sua vez, incentivam seus alunos a vivenciar uma experiência prazerosa de explorar a química.
Paulo Chagas –
Eu era professor da antiga Escola Técnica Federal de Química do Rio de Janeiro (ETFQ-RJ, atual IFRJ) e sempre tivemos a Química como vocação. Quando houve a primeira Olimpíada Ibero-Americana de Química, fomos convidados a participar. Observamos que estava sendo iniciada a OBQ (por meio da Olimpíada Cearense e da ONNeQ) e entramos em contato com o professor Sérgio Melo. Solicitamos que o Rio de Janeiro pudesse participar como Estado convidado da ONNeQ.
O professor Sérgio até riu pela questão geográfica e sugeriu que ampliássemos e criássemos a OBQ. Assim, em 1997 participamos da 1ª OIAQ (na Argentina) e criamos a OQRJ. Ou seja, participamos primeiro de uma internacional, depois de uma nacional, e finalmente criamos a regional. É irônico, mas é verdade: começamos de fora para dentro!

CCJr – Como a OQRJ e a OBQ têm contribuído para o fortalecimento e estímulo à ciência no Rio e no Brasil?
Paulo Chagas –
A proposta das olimpíadas de Química é a descoberta de novos talentos para a academia e para a indústria. Isso, por si só, já é um baita estímulo! Alunos e alunas descobriram a Química como uma paixão e desenvolveram essa paixão como professores, pesquisadores ou trabalhadores especializados em indústrias e fábricas.
Atualmente, a Química é uma das ciências que mais contribui com pesquisas no Brasil como um todo.
CCJr – Que tipo de transformação o senhor percebe nos alunos que participam dessas olimpíadas? Gostaria de destacar alguma história marcante ao longo dessa trajetória?
Sérgio Melo –
Estudantes que percorreram etapas avançadas da OBQ assumem papel importante em estimular os mais jovens a participar desse certame. Sentem-se seguros para liderar grupos de estudo e usar suas experiências para inspirar outros estudantes em suas jornadas olímpicas.
Destacados ex-olímpicos que concluem o ensino médio retornam à sua escola como instrutores, usualmente no contraturno escolar, para desenvolver habilidades na resolução de problemas e compartilhar suas experiências para estimular a busca pelo conhecimento.
Há ex-olímpicos atuando nos ensinos médio e superior. Aqueles com aptidão para a química prosseguem para a pós-graduação, alguns tornam-se professores universitários e se engajam no PNOQ como coordenadores estaduais.

Paulo Chagas –
Os alunos, de uma maneira geral, além de despertarem a paixão pelas ciências, tornam-se extremamente colaborativos com seus colegas. É muito comum que alunos que se destacam passem a ajudar outros e até a ministrar aulas de reforço. Muitos que sequer pensavam em cursar o ensino superior se descobrem vocacionados.
Tivemos um aluno de escola pública no interior do estado que se apaixonou pela Química. Conseguiu uma menção honrosa (nem medalhista foi) na OBQ e aquilo o impulsionou. Decidiu estudar, foi aprovado na Licenciatura em Química na UFF e está se formando. Hoje nos auxilia na OQRJ. A Química mudou a vida dele!

CCJr – A OBQ e a OQRJ hoje são uma realidade. O senhor imaginava esse crescimento no início?
Sérgio Melo –
Iniciamos estimulando o estudo da Química no ensino médio, mas, um largo passo para a consolidação do projeto foi a criação da OBQ Júnior (OBQjr), direcionada ao ensino fundamental — a meu ver, a mais importante das cinco olimpíadas que compõem o PNOQ.
Desde a criação da OBQ Júnior, 68 estudantes representaram o Brasil em olimpíadas internacionais de Química — apenas seis não participaram da OBQjr. Hoje, o PNOQ realiza olimpíadas do fundamental ao superior, além de certames exclusivos para meninas e estudantes de escolas públicas.
Paulo Chagas –
Não! No início era tudo muito difícil. Eu ia pessoalmente nas escolas pedir para que participassem. Muitos professores tinham receio de que seus alunos fossem mal e isso refletisse negativamente sobre eles. Nos primeiros anos, não conseguíamos mais de 30 alunos no Rio de Janeiro.
Hoje, temos dezenas de escolas inscritas, apoio da Secretaria Estadual de Educação e milhares de alunos participantes. A OBQ é uma das mais importantes olimpíadas científicas do país!

CCJr – Na sua opinião, qual é o maior legado que a OBQ e a OQRJ deixam para a educação científica brasileira?
Sérgio Melo –
Um dos objetivos da OBQ é identificar jovens com talento para a Química. Ao estimulá-los, formamos quadros de qualidade para a indústria e a academia.

Temos contribuído para a valorização da Química no Brasil, promovendo a disseminação do conhecimento científico, a interação entre escolas e universidades e, especialmente, ajudando a reduzir a carência de professores de Química, um problema crônico nas regiões Norte e Nordeste.
Paulo Chagas –
Creio que o maior legado é humano: pessoas entusiasmadas pela Química e pela pesquisa científica. Muitos ex-olímpicos hoje são professores e pesquisadores no Brasil e no exterior.
Adolescentes sem perspectivas se tornaram cientistas. Inclusive, temos uma deputada federal que foi ex-olímpica! A OBQ e a OQRJ mudaram vidas.

CCJr – Que mensagem o senhor deixaria para estudantes e professores que estão começando agora no universo das olimpíadas científicas?
Sérgio Melo –
Estudantes e professores são bem-vindos ao PNOQ. Os professores são fundamentais para divulgar e estimular a participação dos alunos — sem eles, a olimpíada não teria o alcance que tem hoje.
Estudantes que participam do PNOQ desenvolvem habilidades em resolução de problemas, compreendem melhor os fenômenos químicos e têm oportunidades de estudar no exterior com bolsa ou ingressar, a convite, em concorridas universidades públicas brasileiras.
Paulo Chagas –
Podemos sonhar em mudar nossas vidas de várias formas, mas o maior investimento sempre será na educação e no conhecimento. Isso ninguém tira de nós! Não é fácil, mas é altamente recompensador.
Se eu tivesse a oportunidade de voltar no tempo, faria tudo de novo! Com mais paixão, vigor e entusiasmo.
Hoje, a OBQ e a OQRJ são fatos consolidados dentro da educação brasileira — e isso é motivo de muito orgulho!

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✍️ Publicado pela redação da Comunidade Científica Jr